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Qual a finalidade da pena?


Ainda em 2008, fui desafiada, juntamente com meus colegas, a responder esta pergunta em uma aula extremamente instigante de direito penal... Lembro que o professor falava com bastante propriedade sobre erro de ilicitude, sobre as causas excludentes da culpabilidade e... entre um “chimarrão” e outro ele se escorou na parede com a cuia e nos questionou: “ o que vocês pensam a respeito da pena? Qual a finalidade da pena?“ . Alguns responderam de imediato qualquer coisa sobre a “punição” do bandido, sendo ela legitimada através da privação da liberdade ou até mesmo pela morte. Alguns ficaram quietos...eu fazia parte deste time.
Só depois de um mês resolvi procurar o professor para responder essa pergunta através do viés da Justiça Restaurativa, mas uma possível “resposta” foi abafada pela multiplicidade de perguntas que foram surgindo...

Da discussão na lanchonete, sem conteúdo programático, ficou-nos a certeza de uma coisa: o sistema carcerário não cumpre sua função de ressocialização.

O argentino especialista em criminologia Carlos Alberto Elbert, em 2003 afirmou que o castigo, tal como é imposto hoje em nossos países ocasiona poucos casos que permitam falar de ressocialização e milhares que permitem provar os processos de deterioração, de destruição da identidade e da auto-estima, que se gera no encarceramento, se é que não se quantificam diretamente as mortes que ocorrem no curso dos cumprimentos das penas.

Ora, sabemos que liberdade e segurança são dois desejos que estão presentes simbolicamente na vida cotidiana de qualquer cidadão, independentemente de sua cultura e ou nação. Todos desejam ser livres e seguros nas suas relações sociais, no entanto, sabemos que, independente do índice de desenvolvimento humano de determinado país, não existem dados comprovando que há países totalmente sem violência. Assim, os Estados organizam-se através de suas instituições jurídicas, políticas e sociais, desenvolvem políticas públicas, projetos pilotos, entre outros, com o objetivo de proporcionar atividades eficientes e precursoras para o bem-estar social das suas populações.

No Brasil, aonde o processo criminal encontra-se deteriorado pelo impulso da vingança e pela medieval concepção de olhar o crime direcionado para o passado e não para o futuro, não raramente ouvimos afirmações de que as pessoas devem receber a pena de acordo com as conseqüências de seus atos - “aquilo que merecem” – mas, o que merecem é o sofrimento físico ou moral? Ou alguém ainda acredita que a punição que priva os seres humanos de suas liberdades - os sistemas carcerários - cumpre com as suas funções dissuasórias e ou de ressocialização?

O estado de São Paulo - o mais rico da federação - governado hoje por José Serra está sendo contemplado com uma política de segurança pública massiva, com a meta de construir 50 presídios no interior deste estado até o final de mandato - inclusive em cidades aonde o índice de homicídios é quase zero, como Jardinópolis.

Em contrapartida, os Juízes de Execução Criminal do Rio Grande do Sul decidiram majoritariamente e recentemente por não expedir mandados de prisão contra condenados que responderam ao processo em liberdade, nas Comarcas onde houver estabelecimento superlotado. A juíza Adriana da Silva Ribeiro em entrevista afirma que esta decisão pode gerar na sociedade uma sensação de impunidade, porém, ela diz que na realidade o Estado - enquanto executor das penas privativas de liberdade não está sendo eficiente na ressocialização e que a prisão torna-se somente um meio de contenção e, como lá dentro há crime organizado e facções, colocar cada vez mais apenados no sistema atual é o que acaba por aumentar a criminalidade, uma vez que eles continuam comandando o crime dentro das cadeias.

Raíssa M.Londero

Comentários

  1. Esta era uma duvida minha.
    Do que vale 30 anos, se depois de tantos recusros, o cara cumpre 5?
    Pq não então 10 anos sem recurso nenhum??

    Vá entender.

    Belo post.
    :)

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