“Reza um pai nosso umas quantas vezes que passa”. Ouvi esta manifestação ontem à noite (25) na Avenida Paulista em São Paulo, de um morador de Rua abraçando uma criança - que eminentemente sentia muita dor. O fato de ontem ter sido um dia diferente para mim por ser o dia do aniversário e, sobretudo, por ter sido desafiante e importante desde as primeiras horas da manhã - olhar nas retinas nebulosas daquela criança e daquele suposto pai foi algo que me fez “congelar”.
Não consegui seguir em frente sem saber o que estava se passando. Também não senti "pena" porque a dupla não era digna disto e, tampouco senti vergonha de parar para conversar. O menino se chamava Pedro e o pai Valdir. A dor da criança era de fome e a do pai de tristeza.
O filho mais velho de Valdir está preso e condenado ha 44 anos, por vários delitos de furto. Antes de ser recolhido era artista plástico. O pai disse que “ele nunca matou ninguém”.
Valdir teve seus tempos de glória como músico. Mas um dia foi excluído da banda que cantava, a mulher morreu e o dinheiro se foi. Por muito tempo se virou como um diabo para sustentar a família. Teve muitos filhos e netos.
Na Rua onde ele mora, as crianças na miséria comem papelão molhado. As mães, “meninas”, desesperadamente, assistem. A polícia agora está atrás de seu outro filho. Se levarem mais esse, ele diz que morre. Considera-se um pai dedicado e não se conforma com os rumos da vida.
Na favela onde mora, morre gente todo dia. De fome, de doença, de tristeza. De vingança. Morre criança assassinada. Quem sobrevive fica calado. Queixar para quem, para quê?
Valdir negou o lanche que eu me propus a dar para eles. Pela comunicação percebi que era um homem inteligente. Falava muito bem e nem falava “mais” quando queria dizer “mas”. Precisava desabafar e penso que talvez provar que era um homem digno, pai de família.
Parece o fim dos tempos. Fiquei sem ter o que dizer (apenas parei para perguntar o nome deles e se eu podia ajudá-los e, tão somente isto).
Qual é o código de conduta que se pode exigir de alguém que convive nestas condições? Valdir tem muitas acusações a fazer, mas não existe um Tribunal para ouvi-lo. Enquanto isto, ele canta pelas Ruas da cidade para receber algum “troquinho”. Injustiça os talentos serem tão desperdiçados.
Aliás, em nosso País quase tudo se desperdiça. Pouco temos e logo nada teremos. Estamos longe das soluções. É difícil de aceitar a miséria, ela atesta a falência de todos nós.
Preciso ir, disse a eles. A criança me abanou sorrindo e quem partiu com as retinas nebulosas naquele instante fui eu.
Raíssa M. Londero
Não consegui seguir em frente sem saber o que estava se passando. Também não senti "pena" porque a dupla não era digna disto e, tampouco senti vergonha de parar para conversar. O menino se chamava Pedro e o pai Valdir. A dor da criança era de fome e a do pai de tristeza.
O filho mais velho de Valdir está preso e condenado ha 44 anos, por vários delitos de furto. Antes de ser recolhido era artista plástico. O pai disse que “ele nunca matou ninguém”.
Valdir teve seus tempos de glória como músico. Mas um dia foi excluído da banda que cantava, a mulher morreu e o dinheiro se foi. Por muito tempo se virou como um diabo para sustentar a família. Teve muitos filhos e netos.
Na Rua onde ele mora, as crianças na miséria comem papelão molhado. As mães, “meninas”, desesperadamente, assistem. A polícia agora está atrás de seu outro filho. Se levarem mais esse, ele diz que morre. Considera-se um pai dedicado e não se conforma com os rumos da vida.
Na favela onde mora, morre gente todo dia. De fome, de doença, de tristeza. De vingança. Morre criança assassinada. Quem sobrevive fica calado. Queixar para quem, para quê?
Valdir negou o lanche que eu me propus a dar para eles. Pela comunicação percebi que era um homem inteligente. Falava muito bem e nem falava “mais” quando queria dizer “mas”. Precisava desabafar e penso que talvez provar que era um homem digno, pai de família.
Parece o fim dos tempos. Fiquei sem ter o que dizer (apenas parei para perguntar o nome deles e se eu podia ajudá-los e, tão somente isto).
Qual é o código de conduta que se pode exigir de alguém que convive nestas condições? Valdir tem muitas acusações a fazer, mas não existe um Tribunal para ouvi-lo. Enquanto isto, ele canta pelas Ruas da cidade para receber algum “troquinho”. Injustiça os talentos serem tão desperdiçados.
Aliás, em nosso País quase tudo se desperdiça. Pouco temos e logo nada teremos. Estamos longe das soluções. É difícil de aceitar a miséria, ela atesta a falência de todos nós.
Preciso ir, disse a eles. A criança me abanou sorrindo e quem partiu com as retinas nebulosas naquele instante fui eu.
Raíssa M. Londero
Raíssa, que maravilhosa crônica!
ResponderExcluirSempre te admirei muito. Para mim, tu fostes a aluna mais humana, inteligente, crítica e revolucionária que a Fadisma já teve!
Como esquecer de ti subindo e descendo as escadarias sempre organizando eventos mto positivos p.o crescimento de todos!
Agradeço, sinto saudades e desejo sucesso! Você merece mto!
Beijo
Ana Carolina
Concordo plenamente com o cometário da Ana Carolina...não conheço voce da Fadisma, mas a conheço dos dias em que trabalhamos no Haiti. A tua preocupação com o direito das crianças, mulheres e homens daquele país..sei que seu sentimento e preocupação humanitária é permanente. Acima de tudo a minha maior admiração é pela sua luta e esperança de que um dia o mundo, as coisas possam ser diferentes pra melhor.
ResponderExcluirGrande Raíssa...
Bjs!!
Olá Raíssa.
ResponderExcluirObrigado por compartilhar esse momento difícil; Tua sensibilidade e coragem são inspiradores.
Doe-me de pensar os relatos que tu apresenta aqui, mas sei que a dor maior era a de Pedro!
Forte abraço guria!
Jorge
Aninha, Fernando e Jorge: obrigada pela participação e pelo carinho. Sinto saudades de você.
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