
“Uma cultura é, para os membros da comunidade que a vivem, um âmbito de verdades evidentes que não requerem justificação e cujo fundamento não se vê nem se investiga, ao menos que, no devir dessa comunidade, surja um conflito cultural que leve a tal reflexão. Esta última é a nossa situação atual” (Humberto Maturana )
Situada no nordeste do estado de Roraima, a terra indígena Raposa Serra do Sol é uma das maiores terras indígenas do país, com cerca de 1,7 milhões de hectares e abriga atualmente cerca de 20 mil índios de cinco etnias diferentes, quais sejam: macuxi, uapixanas, ingaricós, taurepangues e patamonas.
No ano de 2005 o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva homologou através do Decreto n°: 1775/96 a demarcação da terra indígena que em 1993 foi identificada pela FUNAI. Tal Decreto objetivou primordialmente a desocupação da terra pelos “não-índios”.
Os principais sujeitos ocupantes destas terras indígenas foram os produtores de arroz. Estes na década de 70 haviam comprado aproximadamente 100 mil hectares de antigos fazendeiros, e atualmente produziam cerca de 160 mil toneladas de grãos por ano, já que a região tem uma facilidade incomparável na utilização de água para a irrigação do arroz. São, portanto os principais atores na economia de Roraima e não surpreendentemente foi o grupo de ocupantes, apoiados pelo governo local, que manteve maior resistência frente à ordem de desocupação, ora por utilizarem a terra com o princípio da boa-fé, movimentando a economia daquele estado e conseqüentemente desenvolvendo uma política agrícola avançada frente à atual conjuntura política e econômica do país, ora por terem adquirido legitimidade de posse nas terras, comprando a muitos anos atrás de fazendeiros locais.
Mas após 30 anos de conflitos entre indígenas, rizicultores e ocupantes ilegais, por posse na Raposa Serra do Sol, o último mês de junho foi um marco histórico para cerca de 19 mil índios que lutaram pela exclusividade desta terra e resistiram à ataques de fazendeiros. Hoje, sob a posse exclusiva – uma das maiores comunidades indígenas do nosso país que ainda não fora vencida por quaisquer políticas do medo e da discriminação – terá a chance de provar à “sociedade civilizada” que a distinção entre seres humanos, habitantes de um mesmo espaço geográfico, pode ser a contramão “em negrito e maiúsculo” do sentido da palavra alteridade.
Alguém consegue reviver na memória as crueldades pré-históricas com que estes mesmos índios sofreram o ano passado?
Fazendeiros encapuzados invadiram a reserva e lançaram sobre uma aglomeração de indígenas, bombas incendiárias, ferindo desumanamente e covardemente dezenas deles...
Recordo minimamente das redes televisivas terem exibido este episódio e outros referentes ao conflito... lembro que foram feitas algumas “chamadas” rápida no Jornal Nacional sob a apresentação da jornalista Fátima Bernardes...mas não tenho dúvidas de que as Olimpíadas de Pequim ascendiam minuto a minuto um “fogo” muito mais atraente nos telespectadores e nos meios de comunicação em geral do que a questão da violação dos direitos humanos destes indígenas. Era uma “tentação” visivelmente desequilibrada...
Mas os indígenas da Terra Raposa Serra do Sol conseguiram a primeira colocação no pódio, digo, no relatório anual da Organização não-governamental Anistia internacional, que brilhantemente observa e acusa às constantes violações dos Direitos Humanos no mundo. Neste caso em especial, quem recebeu às “culpas” em primeiro plano foi a justiça brasileira que atrasou o processo de demarcação das terras.
Hoje os índios sob a posse exclusiva das terras, começam a se reunir em Assembléias e meios democráticos entre eles para decidir quais serão as estratégias de reocupação e quais serão os projetos de sustentabilidade que seguirão...
O jornal Agência Folha da cidade de Porto Alegre já divulgou a notícia de que o MST do Rio Grande do Sul já fez parceria com estes indígenas ainda no ano passado quando o STF decidiu pela saída dos não-indígenas daquela reserva. O Movimento gaúcho garantiu que a parceria se restringirá na cooperação para a produção agrícola – serão enviadas sacas de sementes de arroz orgânico para os índios. Em entrevista, o dirigente nacional do MST, Cedenir de Oliveira afirma: "Não vamos interferir na organização e na autonomia dos povos indígenas. Vamos enviar as sementes e, caso eles [os índios] considerem necessário, poderemos pôr à disposição um técnico ou um agricultor para acompanhar o plantio".
Seguimos então acompanhando a comunidade indígena da Raposa Serra do Sol...suas divergências culturais nas negociações e nas estratégias.
Quais serão os princípios políticos e morais basilares que eles irão adotar? E qual será o efeito das influências externas?
Buenas, até outro dia...
Raíssa M. Londero
Mentem descaradamente.
ResponderExcluirO laudo antropológico que deu origem A demarcação era altamente vicioso.
A cultura indígena que dizem querer proteger já não existia mais.
Isto tudo é uma manobra estrangeira para dividir o Brasil. GF
Mais uma vez, muito bom Raíssa!
ResponderExcluirSaudações socialistas e revolucionárias!
Alessandra Marques
Realmente como você informou, as notícias de olimpíadas, panamericanos, copas do mundo e afins acabam abrandando o calor de causas tão importantes quanto esta. Talvez se a mídia desse a devida importância, a resolução seria mais rápida. Bom saber que nesse caso, os índios levaram a melhor, mesmo depois de décadas de injustiça.
ResponderExcluirÉ mais uma caso de conflito entre as tradições e o que se chama de evolução. Choques culturais onde o mais forte busca a todo curso suprimir a cultura "primitiva" dos índios.
ResponderExcluirConseguir aglomerar biologia, filosofia e sociologia, trazendo a reflexão de Humbertho para a questão antropológica e política desta demarcação indígena, só me faz perceber que aí pulsa uma "pequena" Grande Raíssa...
ResponderExcluirParabéns menina,
Cássio
Eu sei que pode parecer bizarro, mas eu simplesmente tenho medo de índios. Às vezes, acredito que elas vivam num mundo à parte, como se nós e eles não estivéssemos vivendo a mesma época.
ResponderExcluirAcho, porém, extremamente justo que eles mantenham suas terras e que a cultura branca não interfira na deles.