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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou reconhecimento de união estável entre padre e mulher que mantiveram relações afetivas por 30 anos

Foi disponibilizado no dia 05 de abril deste ano no website do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  um julgado da 8° Câmara Cível que não reconheceu o vínculo de união estável entre uma mulher e um padre – já falecido no ano de 2007.
Em primeira instância, o pedido feito pela mulher foi julgado improcedente, não sendo reconhecida a entidade familiar ora pleiteada.  Acerca desta decisão proferida pelo Juízo da 2° Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre, foi interposto recurso de apelação ao Tribunal a fim de que fosse reformada a sentença.
Ela sustentou que eles mantiveram relações afetivas por 30 anos e que o sacerdote preferiu manter o relacionamento em reservado para que pudesse continuar na profissão de ministro da Igreja, no entanto, a convivência entre os dois era notória pelos familiares e também pelos vizinhos.
Do recurso de apelação, foi negado o reconhecimento da união estável por dois votos a um.
Os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e Luiz Ari Azambuja Ramos entenderam que não cabe o reconhecimento de união estável para este caso, uma vez que não houve publicidade na convivência entre a mulher e o padre, o que estaria indo de encontro com o artigo 1.723, caput do Código Civil, que diz:

Artigo 1723 CC – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

E também a Lei Federal n° 9. 278 de 1996 que ratifica o reconhecimento da entidade familiar como a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Assim, o requisito da publicidade, traduzido no fato de que a relação afetiva não pode ser às ocultas, mas aberta a possibilidade de conhecimento público, descaracterizou a entidade familiar ora em discussão.
Faccenda em seu voto disse: 


A respeito da alegada publicidade do relacionamento, o que se observa pelas fotografias e pela prova oral, é que a mesma se dava em caráter restrito, ou seja, apenas no âmbito da família da recorrente ou na companhia de alguns poucos amigos os quais permitiam ter conhecimento da relação, o que não traduz o verdadeiro conceito de público.
Quando a lei fala em publicidade do relacionamento, a mesma não pode ser limitada. Pelo contrário, deve ser ampla e irrestrita para que chegue ao conhecimento de tantas pessoas quanto possível e em todos os lugares públicos – não é porque o casal frequentava locais adredemente escolhidos em razão do impedimento (legal e moral) do de cujus, que estaria suprido o requisito do art. 1.723 do CC - convivência pública.

O Desembargador Rui Portanova, com voto minoritário, defendeu que a união estável entre os dois se mostrou “escancarada” e que a durabilidade de quase 30 anos de envolvimento afetivo não deixou dúvidas sobre a configuração da formação da entidade familiar da união estável.
Comparou o requisito da publicidade com o requisito da diversidade de sexos que faz referência a possibilidade de união estável somente entre heterossexuais. Este requisito, por sua vez,  está sendo vencido por lutas diárias dos defensores das relações homoafetivas, ou simplesmente,  da união entre pessoas do mesmo sexo que progressivamente já vem sendo reconhecido a importância da proteção dos direitos destes até mesmo no âmbito previdênciário.

No seu voto, Rui Portanova enfatizou que temos que pensar de acordo com a situação em relação aos homossexuais, por exemplo, há uma forma de analisar os requisitos da união estável na perspectiva de um casal homossexual - não é o mesmo tipo de publicidade, não é o mesmo tipo de fidelidade, não é o mesmo tipo de constituição de família.

Assim como o Dr. Rui Portanova, entendo que o requisito da publicidade não pode ser entendido como uma barreira ao reconhecimento do afeto que existiu de fato entre o casal, até por que a proximidade física nunca foi impeditivo de uma relação amorosa e a omissão do relacionamento, na minha opinião, não poderia descaracterizar a convivência conjugal que ambos tiveram. Felizmente, o requisito da diversidade de sexos já foi e está sendo superado pela necessidade de proteção aos direitos de cidadãos que vêm ganhando nos últimos anos expressividades concretas no âmbito das transformações sociais.

Quem sabe a publicidade, dentro de um tempo, não será interpretada de outra maneira também?

RMLondero

Comentários

  1. Se a publicidade é exigência da lei, o julgador deve se ater a ela. Há casos em que é irrazoável aplicar uma lei, fato. Mas não penso que seja essa a situação descrita. Afinal de contas, o sujeito era um padre. A moça sabia o que estava fazendo. Nenhum dos dois realmente poderia ter qualquer pretensão no sentido de que o relacionamento pudesse ser um dia reconhecido, ainda mais tendo em vista que a possibilidade de casamento era nula, enquanto o sujeito continuasse a ocupar a posição de padre.

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  2. E que publicidade seria, a menos que fosse de conhecimento amplo e irrestrito? Não pode haver outra.

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